segunda-feira, 28 de junho de 2010

Feliz Aniversário (Escrito por Anne Crystie)

 
Mais do que esse, só há outro dia pelo qual aguardo, ansiosamente, este ano.
Vestirei a melhor roupa e sairei para algum lugar onde nunca estive antes.
Gostarei do cheiro, das cores.
Das pessoas que passam, das que param.
Da arrumação dos copos, se tiver. Caso contrário, gostarei ainda assim.

Ano novo, vida nova, tudo novo!
Um número a mais fará toda a diferença.
Um dia a menos.
Um momento, outro comercial na TV, um beijo...
(...) Dois beijos.
Quantos beijos quiser.
Quantos puder, quantos quiser.

Alguns garfos, humanos ou não, contanto que sirvam alguma coisa.
Sirvam os garfos! E não as coisas.
Sirvam os dedos, as mãos, os toques.

Toquem a música!
Já esperei infinitos dias morrerem para resignificar as cifras.
As sidras, os banhos.

Desçam os atores; dois ou quatro.
Fechem as cortinas.
O espetáculo vai começar:

domingo, 27 de junho de 2010

Soneto XLIV (Pablo Neruda)

pelas inquietações virtuais provocadas.

Soneto XLIV
Escrito por Pablo Neruda,
traduzido do Espanhol por Maria Teresa Almeida Pina.

Saberás que te amo e que não te amo,
Posto que de dois modos é a vida.
A palavra é uma asa do silêncio,
O fogo tem uma metade de frio.

Eu te amo para começar a amar-te,
Para recomeçar o infinito
E para não deixar de amar-te nunca:
Por isso não te amo todavia.

Te amo e não te amo como se tivesse
Em minhas mãos as chaves da fortuna
E um incerto destino desditoso.
Meu amor tem duas vidas
Para amar-te
Por isso, te amo quando não te amo
E te amo quando te amo.

Caixa preta

- Esta é a caixa. O carneiro que queres está aí dentro.

Trecho retirado do Livro O Pequeno Príncipe,
escrito por Antoine de Saint-Exupéry.

domingo, 6 de junho de 2010

- Porra?!

Diário de um escritor
Escrito por Fiódor Dostoiévsky.
Adaptado por Mikhail Bakhtin.

(...) Certa vez, num domingo, já perto da noite, eu tive ocasião de caminhar ao lado de um grupo de seis operários embriagados, e subitamente me dei conta de que é possível exprimir qualquer pensamento, qualquer sensação, e mesmo raciocínios profundos, através de um só e único substantivo, por mais simples que seja (Dostoiévsky está pensando aqui numa palavrinha censurada de largo uso). Eis o que aconteceu. Primeiro, um desses homens pronuncia com clareza e energia esses substantivo para exprimir, a respeito de alguma coisa que tinha sido dita antes, a sua contestação mais desdenhosa. Um outro lhe responde repetindo o mesmo substantivo, mas com um tom e uma significação completamente diferentes, para contrariar a negação do primeiro. O terceiro começa bruscamente a irritar-se com o primeiro, intervém brutalmente e com paixão na conversa e lança-lhe o mesmo substantivo, que toma agora o sentido de uma injúria. Neste momento, o segundo intervém novamente para injuriar o terceiro que o ofendera. "O que há, cara? Quem tá pensando que é? A gente tá conversando tranqüilo e aí vem você e começa a bronquear!" Só que esse pensamento, ele o exprime pela mesma palavrinha mágica de antes, que designa de maneira tão simples um certo objeto; ao mesmo tempo, ele levanta o braço e bate no ombro do companheiro. Mas eis que o quarto, o mais jovem do grupo, que se calara até então e que aparentemente acabara de encontrar a solução do problema que estava na origem da disputa, exclama com um tom entusiasmado, levantando a mão: "...eureka! Achei, achei!" É isso que vocês pensam? Não, nada de "eureka", nada de "achei!". Ele simplesmente repete o mesmo substantivo banido do dicionário, uma única palavra, mas com um tom de exclamação arrebatada, com êxtase, aparentemente excessivo, pois o sexto homem, o mais carrancudo e mais velho dos seis, olha-o de lado e arrasa num instante o entusiasmo do jovem, repetindo com uma imponente voz de baixo e num tom rabugento... sempre a mesma palavra, interdita na presença de damas para significar claramente: "Não vale a pena arrebentar a garganta, já compreendemos!" Assim, sem pronunciar uma única outra palavra, eles repetiram seis vezes seguidas sua palavra preferida, um depois do outro, e se fizeram compreender perfeitamente.