segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Amar é o melhor remédio! (Anne Crystie)

Amar é o melhor remédio!
Escrito por Anne Crystie.

"Vivemos de cestas fartas de bulas que sintomatologizam as nossas faltas (de ânimo, de tempo, de apetite) e excessos (de sal na comida, de álcool no fim de semana..."


Nos últimos meses, o meu futuro profissional tem-me oportunizado questionar aquilo que muitos chamam de amor. É! Amor. A importância dos vínculos e conexões, o mistério do estar-com, a magnitude da interpessoalidade: o que de bom podemos colher caso apertemos as mãos uns aos outros?

Os benefícios de estar junto, ao que me parece, estão para além de simplesmente não estar só. Sim, porque não saber da solidão já é uma benfeitoria digna de si mesma. Mas ter com o outro, com o eu que é ele, ou com o nós, é capaz de amenizar os mais variados sintomas. Falo isto em nome de mim própria. Não acumulei dados ou fiz pessoas serem odiadas para que o amor provocasse uma cura: eu tomei dois comprimidos no café da manhã na última feira!

Vivemos de cestas fartas de bulas que sintomatologizam as nossas faltas (de ânimo, de tempo, de apetite) e excessos (de sal na comida, de álcool no fim de semana, de força braçal no trabalho). Uma aspirina depois do almoço, dois daqueles verdes no jantar, o da tarja preta antes de dormir: “remédios, para que te quero?”

Longe de mim viver sem eles! Ainda há pouco engoli alguns “benegripes” para afastar o frio dos pés. O que quero dizer é: tenha sempre em casa uma caixa de amor com um bom prazo de validade. Compre-a nas ruas, nas calçadas, nos olhares... Mas compre-a! Coloque-a na cesta de natal, na ceia de ano novo, na cabeceira da cama nos dias de ressaca do carnaval. Deixe que o amor resignifique, ou mesmo signifique, as dores que você tem nas pernas, o cansaço que sente nos braços, a dificuldade que traz nos olhos... Deixe o amor entrar! Bem clichê mesmo.

Grandes nomes, que faziam todo mês as compras do supermercado como nós, ousaram inscrever diante das ciências, das religiões e filosofias a importância do toque na promoção da saúde. Quanto da sua febre decresceria caso lhe fizessem uma massagem nas mãos? Acordaria menos resfriado se dormisse de conchinha? Seria capaz de voltar a correr no quarteirão depois duma boa e atenciosa conversa?

Muitas de nossas dores de cabeça são respostas à importância que não damos ao contanto com o outro. A depressão, que já passou por mal-do-século algumas vezes, é sinônimo de solidão, de vazio de sentido, de desespero diante do nada. É que nós precisamos estar preenchidos o tempo inteiro! Repletos de instantes, lembranças, metas... Aproveitando o natal, o quintal, o portal, e tudo mais que ao coração possa servir de antibiótico.

Os encapsulados ou os efervescentes?! Nem me importa. Depois que me afetei perdidamente com o bem que este comprimidinho me faz, quero retalhos ou cartelas, mas quero amar e ser amada! Quero verdadeiramente viver a desordem ao dormir trinta minutos mais tarde e atrasar-me dois palitos para os afazeres diários, mas quero tomar o meu remédio na hora certa! Checar todas as minhas receitas e até comprar uma daquelas caixinhas (douradas, pequenas, de música) para nunca esquecer onde pus a banda que sobrou da dosagem de ontem.

O amor está à prova de todo e qualquer sentido! Precisa-se dele nos bairros mais afastados e esquecidos da cidade; nos lares onde com sinal pouco nítido a rádio chega; nos leitos de hospital cheios de esperança; nas escadarias de mãos estendidas; em cima e atrás dos trios elétricos; nas justas e injustas e enchidas penitenciárias; nas filas na chuva ou no sol dos postos de saúde; nas salas de aula barulhentas e silenciosas; na sua geladeira descongelando; no coração dos seus amigos e irmãos.

Lembram-se daquela vacina que nos marcou no braço direito, quando ainda recém-chegados ao mundo? É sobre isso que os escrevo: sobre a importância dos vínculos e conexões, o mistério do estar-com, a magnitude da interpessoalidade. Os frutos, grandes, suculentos e maduros que um aperto de mão faz brotar em nossas árvores são como os anticorpos que a “BCG” faz morar em nosso corpo! São a cura que alguns esperam e a saúde que todos ansiamos.

O autocuidado e a promoção da saúde requerem mais que o efeito dos carimbos de hospital e da coleção de caixas medicinais que guardamos no armário da cozinha. (...) E o amor é isto que falta! Toquemo-nos uns aos outros; pouco importa se em 250 ou 500mg, mas sintamo-nos. Deixemos que a potencialidade curativa da substância química “amar” reaja perante nossas células doloridas, provocando uma anestesia consciente. Estejamos bem: com o mundo (com o outro) e com o nosso corpo (com nós mesmos)!

(...) Alexander Lowen, médico psiquiatra e psicoterapeuta norte-americano, após dizer que “quanto mais vivo for o seu corpo, mais vivamente você estará no mundo”, legou-nos que: “Se alguém deseja viver mais plena e ricamente, deve abrir seu coração para a vida e para o amor. Sem amor a si próprio, aos demais, à natureza e ao universo, o indivíduo é frio, alienado e desanimado. Dos nossos corações flui o calor que nos une ao mundo em que vivemos. Essa quentura é o sentimento de amor.” Sejamos, pois, quentes, vivos e saudáveis!

Dezembro de 2010

A modernidade sofre de amnésia! (Anne Crystie)

A modernidade sofre de amnésia!
Escrito por Anne Crystie.

"Já na segunda-feira, não nos damos conta que não saudamos o vizinho ao lado, se ele não estaciona o seu carro na nossa sombra."


Quase nada me incomoda tanto quanto a velocidade que leva os dias a serem riscados do calendário. Ainda há pouco, eu compartilhava com um amigo a ansiedade que sentia ao notar a proximidade do Natal. Já parou para perceber quão pouco resta para que comecemos a acordar os dias com o mistério da renovação que o findar do ano nos traz? Não?! (...) Ao menos parou?

O ritmo dos tempos modernos, caso fosse o mesmo que os músicos tanto perseguem por receio de sair dele, soaria como uma orquestra, com suas notas apressadas e sua melodia de Sapucaí em pleno carnaval. Nós nos pomos sambando o tempo todo: do café da manhã mal tomado à madrugada mal dormida. As listas de compromissos só não são mais extensas/intensas que a satisfação ao escutar o efervescer daquela cervejinha ou coca-cola no domingão.

Já na segunda-feira, não nos damos conta que não saudamos o vizinho ao lado, se ele não estaciona o seu carro na nossa sombra. Triste sombra! Que só pode participar de nossa vida alguns poucos minutos por dia... É! Porque sempre estamos de saída. (...) E se você se lembrou de estalar um abraço na sua companheira ou no seu companheiro antes de sair de casa; se você ainda não reservou um dia na agenda para pensar em casamento, mas se lembrou de, antes de voltar ao trabalho, enviar pelo celular um xaveco àquela pessoa legal, que lhe fez rir no sábado: Parabéns! Você faz parte da minoria de nossa sociedade que não sofre amnésia diante de todo e qualquer como.

Temos, com freqüência e cada vez mais precocemente, nos esquecido de olhar ao alto nas noites de lua cheia ou de beijar à testa nossas crianças, antes delas irem dormir. Esquecido de usar o fio dental depois do almoço ou de pedir a bênção aos nossos pais. Às vezes esquecemos as chaves, as datas especiais... Ou, simplesmente: esquecemos. Esquecemos de nós mesmos! De como gozamos com um cafuné fora de hora; de derrubar aquela bacia de pipocas em frente à TV; de trancar a bicicleta e experimentar as pernas caminharem sem destino. Esquecemos de ser-no-mundo! E seguimos estando e, claro, esquecendo.

Alegrar-se todos os dias, logo cedo, por meramente existir! (...) Como seria, talvez, se esquecêssemos de trocar as pilhas do relógio de parede-parado da cozinha e atrasássemos o despertador da cabeceira dois segundos, só para observar a chuva bater na janela ou os raios de sol que as frestas deixam entrar? (...) E o tempo de que tanto receio: ele é sempre o mesmo; ainda que hoje o dia pareça ter passado mais rápido. Logo: será que, ao invés do tempo, não somos nós que estamos ininterruptamente passando correndo? Passando arrastando os sonhos de ontem, os do último natal... Os sonhos de levar a família para passear ou de cometer uma loucura nova...

Haja réveillon! A cada translação completa é uma promessa de vida nova, e permanecemos os mesmos velhos de ontem... Que debruçam a cabeça pesada no travesseiro, esperando o “Amanhã Salvador da Pátria” chegar à rodoviária trazendo uma mala com disposição e outra com preocupação, para que lembremos de expressar em cada recorte de hora o amor e gratidão que sentimos pelo próximo que nos acompanha segunda, terça, quarta e quinta-feira.

Vai mesmo esperar pela próxima sexta? Tudo bem. Eu também esperarei. Esperarei que você tenha a sorte de encontrar um mundo igualmente com amnésia, que não se lembre de tirar-lhe de perto as pessoas que tanto lhe importam e as coisas que tanto satisfazem os seus desejos. Um mundo que se esqueça de fechar-lhe a porta às possibilidades e a janela aos perdões.

Enfim, já que hoje estou com a memória um pouco melhorzinha, permita-me apenas mais uma sugestão: Já declamava Thomáz Antonio Gonzaga – vulgo Dirceu – à sua amada Marília, há duzentos ou trezentos anos atrás, que “Aproveite-se o tempo, antes que (ele) faça / O estrago de roubar ao corpo as forças / E ao semblante a graça”.

Novembro de 2010

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Noites Brancas (Fiódor Dostoiévski)

Fiódor Dostoiévski,
em seu livro Noites brancas.

- Sabe por que estou eu tão contente? - perguntou-me ela - e me sinto tão satisfeita em vê-lo? Por que estou tão carinhosa com você?

- Diga - perguntei eu, e o meu coração batia...

- Pois eu lhe tenho toda esta amizade porque você não se apaixonou por mim. Outro, no seu lugar, teria começado por me importunar e aborrecer, teria suspirado e fingido que estava doente. Mas você foi tão franco e tão simples!

E apertou-me a mão com tanta força que por pouco eu não gritava. E riu outra vez.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Parada para o café (Anne Crystie)

Parada para o café
Escrito por Anne Crystie.


Algum dia você fantasiou ser capaz de tirar-me das noites o sono e trazer-me aos dias a paz? Afligia-me o se aproximar do nosso aniversário, mas nada levou-me a esperança de escutar a voz do anjo sussurar no meu ouvido. Confesso: você chegou e eu lhe esperava. Com suas letras e canções, nem importa se você não me imaginava. Vale a sua respiração ofegante dizendo que me ama; em português, polonês ou qualquer outra língua dessas que você usa com classe. Quanto aqueles hiatos irritavam-me ao dizer que eu não podia lhe jogar contra a parede e perguntar-lhe por que demorou... Juro que arrancaria uma a uma essas suas vãs filosofias, de cima e de baixo. [Era tudo que eu mais queria!] Mas não. Como quem chega do bar, você insiste em me seduzir antes de tudo. Para que tanta perversão, ó céus? Eu estava aberta: de mãos e peito abertos. Terminar por derreter-me acabaria toda a festa. Você precisava do meu colo para deitar-se e do meu ventre para existir. E então: estou aqui! Bem-vindo de volta para onde sempre esteve! São seus. Vou-me deitar e não se demore. O dia já raia e eu costumo render as noites que prometi.