terça-feira, 28 de junho de 2011

Amadurecer é adaptar-se! (Anne Crystie)

Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"Amadurecer é adaptar-se com delicadeza às novas praças que o mundo tem a oferecer! É enxergar os livros empoeirados na estante como atemporais e vislumbrar a magia do alvorecer com o poder e a beleza da juventude. Quanto mais velhos ficamos, mais diferentes somos."


Um fenômeno que, em particular, me chama bastante atenção é o modo como o tempo perpassa o nosso desenvolvimento. Todos os dias, quando nos levantamos ou nos deitamos, já não somos mais os mesmos. As mãos parecem mais enrugadas ou os olhos de brilho mais intenso: envelhecemos e, por vezes, estamos mais cheios de vida.

Da sala de estar de casa ao saquinho de leite na padaria, são exigidos de nós infindos modos de estar no mundo. Garfos para peixes, bolos e camarões, outros, meio tortos, para brincar de aviãozinho e já não sabemos que talher escolher para fotografia de nosso personagem preferido conforme as ocasiões.

Com a dinâmica acelerada da tecnologia e o modo como todos os dias a roda é reinventada, é preciso que estejamos cada vez mais aptos a selecionar os garfos, as funções no celular, as músicas no rádio, o programa preferido na TV e mesmo com que cara olhamos as mudanças que moram ao lado, se quisermos acompanhar com saúde a rotação do universo.

Um psiquiatra alemão chamado Erik Erikson, responsável pela constituição de uma teoria sobre o desenvolvimento psicossocial humano, atenciosamente e, por que não dizer, poeticamente, nos disse que a maturação do homem se expressa pelas formas como ele sabiamente aprende a lidar com o movimento continuado das coisas que estão ao seu redor. São as pessoas que vêm e vão, as alegrias que partem e as tristezas que ficam, os novos números na agenda digital, os hits que já não são, ou são, bossa nova e rock and roll...

Amadurecer é adaptar-se com delicadeza às novas praças que o mundo tem a oferecer! É enxergar os livros empoeirados na estante como atemporais e vislumbrar a magia do alvorecer com o poder e a beleza da juventude. Quanto mais velhos ficamos, mais diferentes somos. E são nessas diferenças que estão as qualidades de sermos pessoas maduras ou imaturas e, por assim dizer, pessoas mais ou menos ajustadas ao meio em que vivem.

E o que ou quem somos afinal?! Parafraseando Erikson, somos aquilo que sobrevive de nós a cada instante. As experiências que ficam e as que faltam; o tempo que morre e o novo horizonte que nasce sem ter hora pra acabar. Ou ainda, como diria Shakespeare, “nós somos feitos do tecido de que são feitos os sonhos”. Estamos vestidos dos anseios de viver as novas realidades com sabedoria e de tirar delas fertilizantes que amadureçam a nossa satisfação.

É certo que nem sempre podemos mudar os fatos para como queiramos que sejam ou fingirmos, por exemplo, que o mundo não é movido a computador. Tudo na vida passa! As calças jeans boca de sino, as palmatórias, as moedas de cruzeiro ou as notas de um real que já não vemos mais... Todavia, nós somos seres homeostáticos e quem um dia irá dizer que viver com saúde diante das transformações não é amadurecer?

Velhos, novos, adultos ou crianças, nada disso importa em se tratando daquilo que podemos ser de verdade. Os capuzes que circundam nossas cabeças nada dizem acerca dos que moram dentro delas. Podemos sim ser senis aos doze anos e infantes aos oitenta e cinco caso respondamos de acordo ou não de acordo às coisas velhas e novas que conhecemos e aproveitemos ou não o que elas têm a nos oferecer.

É preciso lavar e passar as fantasias mais modernas que temos para vestir, quer sejam de adolescentes ou de cinqüentões, e dançar conforme a música. Não digo que os amantes das marchinhas de carnaval precisam remexer suas cinturas até o chão ao som do pagodão porque precisamos estar adaptados/maduros. Digo que quanto mais abertos estivermos às mudanças que a vida tem a nos oferecer, mais amadurecidos seremos. E isso, por fim, implica termos êxito e felicidade nas pequenas coisas que fazemos, qualquer que seja o tempo ou o lugar.
Junho de 2011

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O Morcego (Augusto dos Anjos)

Crédito da Imagem: Desconhecido.
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. 
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: 
Na bruta ardência orgânica da sede, 
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. 

"Vou mandar levantar outra parede..." 
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho 
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, 
Circularmente sobre a minha rede! 

Pego de um pau. Esforços faço. Chego 
A tocá-lo. Minh’alma se concentra. 
Que ventre produziu tão feio parto?! 

A Consciência Humana é este morcego! 
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!