terça-feira, 23 de agosto de 2011

Prazer e lazer: semelhanças e controvérias (Anne Crystie)

Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"O locutor, com sua voz tentadora e sensual, falou em 'prazer e lazer'. E, claro, meus receptáculos críticos começaram a trabalhar."


Num desses movimentos automáticos que fazemos quando entramos no carro, ligaram o rádio. Não me interessei por saber o que haviam sintonizado e muito menos se sintonia havia entre as palavras do locutor e os anseios dos ouvintes atentos. Apenas ouvi. Fui tão automática quanto o rádio ligado!

Dentre tantas discussões que a mídia auditiva é capaz de provocar, naquele dia, um par de substantivos, unidos por uma conjunção, tirou-me da passividade preguiçosa. O locutor, com sua voz tentadora e sensual, falou em “prazer e lazer”. E, claro, meus receptáculos críticos começaram a trabalhar.

Há muito que se discute acerca do prazer – mais do que sobre o lazer, inclusive. Um casal clichê nas aulas de psicologia das organizações, nas planilhas de recrutamento e seleção dos administradores ou mesmo nas agendas sempre lotadas do trabalhador sonhador mensalista que sai de casa às sete da manhã: prazer e lazer. O que aproxima e distancia ter lazer de ter prazer e vice-versa?

Uma infinidade de pensadores da vida encheriam jornais de definições de prazer e/ou de lazer. Mas, para ser curta como os nossos fins de semanas de lazer, o prazer é aquilo que proporciona o bem-estar do organismo e da própria vida, eu diria. É o amolecimento que dura milésimos de segundo quando tomamos um sorvete da fruta desejada ou a água que nos enche os olhos ao assistirmos a um filho levantar o diploma da faculdade. Ter prazer, suas conceituações, limitações, exemplificações, é tudo o que você viveu até aqui que te fez sorrir com o corpo e com a alma – independente do que venha a ser a alma.

Lazer, do latim licere, significa tempo livre, vagar, ócio. Do brasileiro, sábados, domingos e feriados, significa tudo que não é dever; os passatempos que procuramos nas horas vagas ou os piqueniques que fazemos para extravasar o estresse acumulado pelas obrigações cumpridas e para recarregar as energias requeridas pela próxima segunda-feira. Os barzinhos para onde vamos; as piscinas e a casa da vovó.

Além da rima, prazer e lazer são palavras que vivencialmente têm se assemelhado em significado. Somos empurrados a pensar que tudo que é lazer nos dar prazer e que só se tem prazer nos momentos de lazer. No entanto, há controvérsias. Prazer e lazer não são sinônimos! Por mais que a nossa cultura faça parecer, eles não substituem um ao outro.

Pimentel, numa de suas reflexões cariocas, contemplou-me imensamente quando afirmou que “o prazer não está em dedicar um tempo programado para o ócio. O prazer é residente. Está dentro de nós, na maneira como a gente se relaciona com o mundo.” Não é preciso que os domingos de sol nasçam ou as baladas de sábado à noite aconteçam para, pois ter prazer está nas pequenas e todas as coisas; no desfrute que fazemos delas.

Por mais difícil que seja compreender para alguns, no trabalho ou no estudo, quando menos temos tempo livre ou ócio, o prazer pode está presente. Ele está em nós! Está em sentir; em tudo o que fazemos atendendo aos pedidos de nós mesmos.

Já o lazer, ele não é causa: é consequência. Resultado das nossas vontades de estar em paz, de querer bem a nós mesmos. Ter lazer é buscar prazer e não o contrário. Na sociedade moderna há muito lazer e pouco prazer, como colocou a escritora Chantal Thomas. E isso porque perdemos tempo buscando o prazer nas coisas, enquanto deveríamos tentar descobri-lo em nós. Perpassamos as horas reclamando da ausência de lazer na cidade, quando nada é lazer se não for prazer primeiro.

Ainda mais legal do que unir o útil ao agradável, é unir o agradável ao agradável. (Ruy Castro) Vivamos o prazer nas horas de lazer e também quando não tivermos tempo para nada. Se algum dia formos capazes de preencher a vida com coisas que nos dão prazer, acredite, os sábado, domingos e feriados serão indispensáveis, pois serão todos os dias! E assim, desejo-lhe que tenha lazer e prazer. Mas que o prazer venha antes, nas horas vagas e nas ocupadas.
Agosto de 2011

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre barrigas

Crédito da Imagem: Desconhecido.

 "Deixar a barriga solta parece ofender especialmente as mulheres. Consideram-se desleixo, sentem-se pouco atraentes. Sua imagem de beleza feminina é a da coelhinha da Play-boy, com barriga rigidamente contraída para dentro e o busto projetado à frente. Supõe-se que isto seja sexualmente excitante para os homens. Talvez o seja para alguns, para aqueles que têm medo de, ou são repelidos por uma mulher com barriga na qual vêem a figura da mãe. Entretanto, a barriga é indicativa de uma mulher madura: e a sua ausência, a de uma menina adolescente. O apelo sexual de uma adolescente existe para um adolescente (seja qual for sua idade), não para um homem.
O fato é que a barriga 'chupada' intercepta todas as sensações sexuais pélvicas, aquelas deliciosas sensações de amolecimento e entrega que transformam o sexo, de mero desempenho e descarga, em expressão de amor. O que na realidade muitas mulheres sentem ao deixar a barriga solta, é que isto é sexual demais. Soltar, 'desleixar' significa perder e perder implica em mulher perdida. Na época vitoriana, as mulheres usavam espartilho para conter sua sexualidade; elas não podiam, literalmente, ser vistas como mulheres perdidas. Apesar de havermos rejeitado o espartilho físico, adotamos o psicológico, que é até mais eficaz pois não pode ser retirado quando o desejamos."

Alexander Lowen,
em seu livro Exercícios de Bioenergética.