domingo, 26 de agosto de 2012

Sobre as hierarquias

Crédito da imagem: Desconhecido.


"De fato, tudo era um pouco ridículo, ou muito ridículo: tudo aquilo relacionado com autoridade, quer fosse no exército, no governo ou nas universidades, era muitíssimo ridículo. E, na medida em que as classes dirigentes tinham pretensões de governar, eram também ridículas."

D. H. Lawrence,
em seu livro O Amante de Lady Chatterley.

Sobre homens


Crédito da imagem: Desconhecido.


"Mas os homens são assim! Ingratos e sempre insatisfeitos; se não são aceitos, odeiam a mulher por não os aceitar; se o são, odeiam-na por qualquer outra razão, ou por nenhuma razão, porque são crianças descontentes e nada os satisfaz, por mais que a mulher faça."

D. H. Lawrence,
em seu livro O Amante de Lady Chatterley.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fotografia (Escrito por Anne Crystie)

Crédito da imagem: Anne Crystie.
E perdi um bom tempo ali, parada, vendo você sorrir. Desligada do mundo. Eu ganhei toda uma eternidade do seu rosto. Perdi-me quando lhe toquei. Achei-me porque lhe quis mais de perto, incerto. Mas que há além dessa loteria? Você é o meu prêmio. Apostei todas as fichas. Ganhei o que o dinheiro compra e o que não parcela. Minha felicidade nunca valeu tanto. Muitas barras de ouro sem dedução fiscal. Nunca foi tão barato como é quando estou com você. São tantas luzes, que se acendem e se apagam desaceleradamente, tantos fogos queimando menos que em mim... O dia já parece nublado. Mas eu insisto a querer outro gole, não importa. Mais um trago do seu suor. Completamente envenena por sua língua. É uma aventura alucinante. É isto que quero dizer! Um ir-e-vir desesperadamente fora de órbita. Faz tum às vezes. Outras dói. E como aperta! Espreme tudo que há em mim, em busca de algo que não tenho e que sou eu. Você não me pertence. Não somos conjuntos que se abocanham num plano perfeito. Você me domina. Eu venho sempre à frente nessa cadeia alimentar. E você por cima. Cintilando como se não me pertencesse. Nenhuma guerra fria lhe nega. Ficam os portões. Tolos! Nem um dilúvio é capaz de amedrontar a chama. Venta você em mim, se um ou dois, se uno ou doce. É o ar que respiro. Vivo do carbono da sua imagem, do universo do seu sorriso. "Quando a gente se ama". Essas são as cinco pedras cantadas do meu jogo.

sábado, 18 de agosto de 2012

Sobre desejo


"Na verdade o que queremos é dilacerar o outro. Dão nome de desejo a essa comilança toda. Na natureza tudo se come. Do leão à formiga. Até as estrelas se engolem umas as outras."


Hilda Hilst,
em seu livro Cartas de um sedutor.

Frase de Efeito (9)


Retirada do livro Cartas de um sedutor;
Escrito por Hilda Hilst.

Ter ou não ter namorado (Escrito por Artur da Távola/Paulo Alberto M. Monteiro de Barros)

À ele,
quem me faz ter/ser.

Crédito da imagem: Anne Crystie.

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. 
Namorado é a mais difícil das conquistas. 
Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil. 
Mas namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida; ou bandoleira basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição. 
Quem não tem namorado é quem não tem amor é quem não sabe o gosto de namorar. Há quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. 
Não tem namorado quem não sabe o gosto de chuva, cinema sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. 
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria. 
Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar. 
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora em que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário. 
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, de fazer cesta abraçado, fazer compra junto. 
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor. 
Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira - d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro. 
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar. 
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada, ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais. 
Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele. 
Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz. 
Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo. 
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos, ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. 
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria. 
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido. ENLOU-CRESÇA. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Prazeres do corpo, prazeres da alma (Anne Crystie)


Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"É muita anarquia às princesas, mas não há algo melhor a gemer do que: deixe-me ser cachorra enquanto sou feliz, enquanto os prazeres do meu corpo não diferem dos prazeres de minh'alma."

            Alguns apelos culturais, tão novos quão velhos, têm me feito questionar seriamente o real significado de progresso, de mudança ou mesmo de direitos iguais para todos (na saúde e na doença). Você já se perguntou, por exemplo, de que serviu às mulheres trabalhar fora de casa ou ir às urnas? E quanto podem elas, e somente elas, responder por seus corpos, seus desejos? Aos mais atentos às novas programações televisivas globais, hoje trago uma inquietude que vai lhes parecer familiar: a lenda do tesouro perdido.

            Pois foi que nem precisou de dois reclames do plim-plim para que uma dessas programações noturnas me tirasse abruptamente do sério. Na verdade, nem é que o entretenimento por si só era irritante, mas é que cabeças sobre microfones, que repetiam e valorizavam alguns discursos de poder, essas sim, eram, de longe, importunas. A discussão era boa, falava-se em concepções de fidelidade e blábláblá... Até que, se passando por mensageira de algum que escreveu certo em linhas tortas, surge uma dessas rainhas da moral e dos bons costumes para pregar o evangelho do dia.

            De nome heroico, a Rainha Sheeva cantava um bendito, em alto e bom tom, para que as mulheres (eu e você ou eu e sua mãe) renegassem, de joelhos, a tudo aquilo que há de mais hormonal, em nome de uma coisa que o machismo nosso de cada dia reinventa a toda edição da Playboy: ser mulher, não ser cachorra. Segundo a majestade, é virtude ser princesa, de vestido rodado e anáguas (à luz dos mil novecentos e antigamente), e é um dos mais impuros pecados ser piriguete, “a la calça jeans e top no stress”.

            Desde pequenas, as minhas barbies sabiam que não podiam sentar-se de pernas abertas, que são feias e más meninas que não gostam de brincar de panelinhas, que mulher nasce incapaz de saltar muros e xingar o juiz de futebol e que é proibido gritar. Mal desconfiavam elas, entretanto, que as mulheres de verdade, sem mentirinhas e falsa modéstia, não só gritam como gemem (e alto!). Porque os corpos de sexo feminino têm vida, ora essa! Eles também resguardam suas taxas de hormônio, aprendem bem cedo onde dormem seus pontos de prazer e querem ter uma fila de bocas para passear, se assim lhe for do gosto.

            Mas é aí que dona Dorotéia, diretamente dos rabiscos de Jorge Amado, resmunga que marido que não presenteia a esposa com uma boa surra de vez em quando não lava a honra. E sabe o que tem a Sheeva a ver com essa senhora?! Diante de tamanho absurdo que é, em plena a marcha das vadias do século XXI, escreverem arbitrariamente os dez mandamentos dos prazeres da alma feminina, eu fico até em dúvida de qual o sentido da lei Maria da Penha dentro desses seminários de santificação. Será mesmo uma boa nova saber que as esposas não são objetos dos maridos ou é também pré-requisito para princesa apanhar na noite de núpcias?

            Não há nada mais sagrado que o natural. O ar ofegante que esquenta as nossas narinas, o sorriso desejante que faz a gente morder os lábios, o arrepio que escorregue no peito nas noites de lua cheia. Não há alma santa que se sustente onde não existe corpo. E essa forma burra de naturalizar o antinatural, de negar aquilo que é humano em consonância com dizeres que perpetuam uma forma de poder perversa, não sei a você, mas a mim são essas coisas que soam como pecado. Maldade é cobrar do homem que expurgue aquilo que o forma, que seja quem ele não é. É querer que sejamos uns escravos dos outros, quando naturalmente (e de verdade) podemos nos completar.

            Quem dera que a lenda do tesouro perdido também estivesse perdida... E que aquela velha história de que nós, mulheres, nascemos e crescemos para morrermos virgens e puras como a Maria tivesse ficado nos livros do século passado. Porque não há nada de perdido em deixar-se viver um pouco dos sentidos que o corpo traz e nada de tesouro quando aquilo que se retém na memória são desejos reprimidos. É muita anarquia às princesas, mas não há algo melhor a gemer do que: deixe-me ser cachorra enquanto sou feliz, enquanto os prazeres do meu corpo não diferem dos prazeres de minh’alma. No fundo, Rainha Sheeva e dona Dorotéia, sou santa naquilo que sou e peco quando, de joelhos, me engano.

Agosto de 2012

Da hipocrisia (Anne Crystie)

Crédito da imagem: Anne Crystie.
É madrugada e (quase) ninguém está me ouvindo. Pois eis que posso fazer o meu face de diário. Tenho andado preocupada com o sabor de hipocrisia que há nas coisas e com quem as come. Eu creio que é preciso dar a cara (não precisa ser a tapas, porque sou contra a violência). É preciso deixar que o vento bata. Essa é a minha religião. Sabe matar a cobra e mostrar o pau? Eu não seria hipócrita a dizer que nunca fui hipócrita um dia e nem a dizer que estou condenada a permanecer medíocre "amém". Eu vou abrir a sua porta quantas vezes você puxar qualquer tapete. É o meu desafio.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ruim é preconceito! (Anne Crystie)

Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"As negrinhas com seus pixains e a branquinhas dos cachinhos de anjo viraram todas 'seda liso intenso'"


            Da última vez que fui a um salão de beleza aparar as unhas, numa dessas cidades nordestinas de cabra macho, levantadas por africanos (e africanas) de muque grande, a manicure agradavelmente me disse: “volte quando quiser para escovar as madeixas, pois que você tem cachos enormes e aqui nós cortamos o preço”. De supetão, respondi que ela não me esperasse, porque não costumo cair na chapinha das misses globais de propaganda de xampu.

            Não é que eu não ache charmosa e bem vestida a arte dos secadores, só não tenho paciência para aquecer os neurônios três horas a fio. Sem esquecer que sempre sinto torcicolo após as boas escovadas e que, pior, mesmo em liquidação, querem que eu pague os dois olhos da cara para que passem ferro na minha cachola. “Mas mulher tem que sofrer pra ficar bonita!” E foi por isso que quando a bela moça já me pintava as unhas, espantosamente, gritou-me: “e como você faz para sair de casa com a peruca assim?”

            “Como faço? Não faço!” Como você faz com os modismos e padrões de beleza? E quantos frascos de cremes “brilho e gloss” você tem no armário? “Francesinha” já não é o esmalte do auge. Se não quero depilar as pernas, não entro para o clube da Lulu. E aquelas saias justas, curtas e altas (que começam abaixo dos seios e vão até pouco depois da cintura), se não visto, só posso estar com algum problema. De todos os modos de hierarquizar as coisas e as pessoas que há, até quando o bonito dos olhos virá acompanhado dos pentes finos no cabelo?

            Se digo que algumas práticas são filhas de alienações sorrateiras e destrutivas, já tem quem me diga que não mudarei o mundo. Acontece que o fato de eu acreditar ou não na mudança que posso fazer no mundo não é questão quando o que quero é dizer que somos todos escravos de preconceitos, que fazem nossos pés se aguentarem em cima dos saltos agulhas por toda a madrugada. Porque mulher que caminha na festa com as sandálias nas mãos é baixa, literalmente.

            Já viu que nem mesmo as crianças têm escapado das progressivas? (Se é que algum dia já escaparam...) As negrinhas com seus pixains e as branquinhas dos cachinhos de anjo viraram todas “seda liso intenso”. Tudo bem que todo mundo aqui no Brasil carrega um pouco dos franjões indígenas no sangue, mas, até quando, esconderemos o natural que veio da natureza para dar lugar ao natural que nasce das ideias discriminatórias dos povos?

            Mulher bonita é mulher de verdade. É aquela que quando o cabelo não está preso, está armado. Ou aquela que de tão liso, as mechas não seguram as tranças e presilhas. São as ruivas, as dos pneuzinhos e as que adoram refrigerantes e celulites. Rima, é clichê, mas beleza está mesmo nos olhos de quem vê! Está nos programas de auditório, nos realities shows, pendurada na cabeça da mocinha e da vilã da novela das oito. Nós somos, todo o tempo, comprados a positivar um tipo de fio e negativar todos os outros.

            E aí que você deixa de ir ao baile por não ter feito “babyliss” ou passa a manhã inteira com alguns “bobs” e um lenço apetando as ideias pra ajudar sua vizinha a entender que o que vale não é se sentir bonita: é ser vista bonita. E sabia que ela entende? Pois é. Segundo as mulheres modernas, amigas da Glorinha Kaliuh, as clínicas de silicone estão cada vez mais cheias e os maridos mais exigentes. Elas só não percebem que o velho “removedor para a área dos olhos”, todas as noites, deixa escorrer pelo ralo da pia a mulher-barbie da minissérie e bota pra dormir a mulher nossa de cada dia. Porque ruim não é cabelo, ruim é preconceito!

Julho de 2012