quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ruim é preconceito! (Anne Crystie)

Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"As negrinhas com seus pixains e a branquinhas dos cachinhos de anjo viraram todas 'seda liso intenso'"


            Da última vez que fui a um salão de beleza aparar as unhas, numa dessas cidades nordestinas de cabra macho, levantadas por africanos (e africanas) de muque grande, a manicure agradavelmente me disse: “volte quando quiser para escovar as madeixas, pois que você tem cachos enormes e aqui nós cortamos o preço”. De supetão, respondi que ela não me esperasse, porque não costumo cair na chapinha das misses globais de propaganda de xampu.

            Não é que eu não ache charmosa e bem vestida a arte dos secadores, só não tenho paciência para aquecer os neurônios três horas a fio. Sem esquecer que sempre sinto torcicolo após as boas escovadas e que, pior, mesmo em liquidação, querem que eu pague os dois olhos da cara para que passem ferro na minha cachola. “Mas mulher tem que sofrer pra ficar bonita!” E foi por isso que quando a bela moça já me pintava as unhas, espantosamente, gritou-me: “e como você faz para sair de casa com a peruca assim?”

            “Como faço? Não faço!” Como você faz com os modismos e padrões de beleza? E quantos frascos de cremes “brilho e gloss” você tem no armário? “Francesinha” já não é o esmalte do auge. Se não quero depilar as pernas, não entro para o clube da Lulu. E aquelas saias justas, curtas e altas (que começam abaixo dos seios e vão até pouco depois da cintura), se não visto, só posso estar com algum problema. De todos os modos de hierarquizar as coisas e as pessoas que há, até quando o bonito dos olhos virá acompanhado dos pentes finos no cabelo?

            Se digo que algumas práticas são filhas de alienações sorrateiras e destrutivas, já tem quem me diga que não mudarei o mundo. Acontece que o fato de eu acreditar ou não na mudança que posso fazer no mundo não é questão quando o que quero é dizer que somos todos escravos de preconceitos, que fazem nossos pés se aguentarem em cima dos saltos agulhas por toda a madrugada. Porque mulher que caminha na festa com as sandálias nas mãos é baixa, literalmente.

            Já viu que nem mesmo as crianças têm escapado das progressivas? (Se é que algum dia já escaparam...) As negrinhas com seus pixains e as branquinhas dos cachinhos de anjo viraram todas “seda liso intenso”. Tudo bem que todo mundo aqui no Brasil carrega um pouco dos franjões indígenas no sangue, mas, até quando, esconderemos o natural que veio da natureza para dar lugar ao natural que nasce das ideias discriminatórias dos povos?

            Mulher bonita é mulher de verdade. É aquela que quando o cabelo não está preso, está armado. Ou aquela que de tão liso, as mechas não seguram as tranças e presilhas. São as ruivas, as dos pneuzinhos e as que adoram refrigerantes e celulites. Rima, é clichê, mas beleza está mesmo nos olhos de quem vê! Está nos programas de auditório, nos realities shows, pendurada na cabeça da mocinha e da vilã da novela das oito. Nós somos, todo o tempo, comprados a positivar um tipo de fio e negativar todos os outros.

            E aí que você deixa de ir ao baile por não ter feito “babyliss” ou passa a manhã inteira com alguns “bobs” e um lenço apetando as ideias pra ajudar sua vizinha a entender que o que vale não é se sentir bonita: é ser vista bonita. E sabia que ela entende? Pois é. Segundo as mulheres modernas, amigas da Glorinha Kaliuh, as clínicas de silicone estão cada vez mais cheias e os maridos mais exigentes. Elas só não percebem que o velho “removedor para a área dos olhos”, todas as noites, deixa escorrer pelo ralo da pia a mulher-barbie da minissérie e bota pra dormir a mulher nossa de cada dia. Porque ruim não é cabelo, ruim é preconceito!

Julho de 2012

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O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. (Clarice Lispector)