Crédito da Imagem: Anne Crystie. |
"As negrinhas com seus pixains e a branquinhas dos cachinhos de anjo viraram todas 'seda liso intenso'"
Da
última vez que fui a um salão de beleza aparar as unhas, numa dessas cidades
nordestinas de cabra macho, levantadas por africanos (e africanas) de muque
grande, a manicure agradavelmente me disse: “volte quando quiser para escovar
as madeixas, pois que você tem cachos enormes e aqui nós cortamos o preço”. De
supetão, respondi que ela não me esperasse, porque não costumo cair na chapinha
das misses globais de propaganda de xampu.
Não
é que eu não ache charmosa e bem vestida a arte dos secadores, só não tenho
paciência para aquecer os neurônios três horas a fio. Sem esquecer que sempre
sinto torcicolo após as boas escovadas e que, pior, mesmo em liquidação, querem
que eu pague os dois olhos da cara para que passem ferro na minha cachola. “Mas
mulher tem que sofrer pra ficar bonita!” E foi por isso que quando a bela moça
já me pintava as unhas, espantosamente, gritou-me: “e como você faz para sair de
casa com a peruca assim?”
“Como
faço? Não faço!” Como você faz com os modismos e padrões de beleza? E quantos
frascos de cremes “brilho e gloss” você tem no armário? “Francesinha” já não é o
esmalte do auge. Se não quero depilar as pernas, não entro para o clube da
Lulu. E aquelas saias justas, curtas e altas (que começam abaixo dos seios e
vão até pouco depois da cintura), se não visto, só posso estar com algum
problema. De todos os modos de hierarquizar as coisas e as pessoas que há, até
quando o bonito dos olhos virá acompanhado dos pentes finos no cabelo?
Se
digo que algumas práticas são filhas de alienações sorrateiras e destrutivas,
já tem quem me diga que não mudarei o mundo. Acontece que o fato de eu
acreditar ou não na mudança que posso fazer no mundo não é questão quando o que
quero é dizer que somos todos escravos de preconceitos, que fazem nossos pés se
aguentarem em cima dos saltos agulhas por toda a madrugada. Porque mulher que
caminha na festa com as sandálias nas mãos é baixa, literalmente.
Já
viu que nem mesmo as crianças têm escapado das progressivas? (Se é que algum
dia já escaparam...) As negrinhas com seus pixains e as branquinhas dos
cachinhos de anjo viraram todas “seda liso intenso”. Tudo bem que todo mundo
aqui no Brasil carrega um pouco dos franjões indígenas no sangue, mas, até
quando, esconderemos o natural que veio da natureza para dar lugar ao natural
que nasce das ideias discriminatórias dos povos?
Mulher
bonita é mulher de verdade. É aquela que quando o cabelo não está preso, está
armado. Ou aquela que de tão liso, as mechas não seguram as tranças e
presilhas. São as ruivas, as dos pneuzinhos e as que adoram refrigerantes e
celulites. Rima, é clichê, mas beleza está mesmo nos olhos de quem vê! Está nos
programas de auditório, nos realities
shows, pendurada na cabeça da mocinha e da vilã da novela das oito. Nós
somos, todo o tempo, comprados a positivar um tipo de fio e negativar todos os
outros.
E
aí que você deixa de ir ao baile por não ter feito “babyliss” ou passa a manhã
inteira com alguns “bobs” e um lenço apetando as ideias pra ajudar sua vizinha
a entender que o que vale não é se sentir bonita: é ser vista bonita. E sabia
que ela entende? Pois é. Segundo as mulheres modernas, amigas da Glorinha
Kaliuh, as clínicas de silicone estão cada vez mais cheias e os maridos mais
exigentes. Elas só não percebem que o velho “removedor para a área dos olhos”,
todas as noites, deixa escorrer pelo ralo da pia a mulher-barbie da minissérie
e bota pra dormir a mulher nossa de cada dia. Porque ruim não é cabelo, ruim é
preconceito!
Julho de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. (Clarice Lispector)