quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Vai todo mundo tomar no cu! (Escrito por Anne Crystie)



Crédito da imagem: Desconhecido.
As crianças são as verdadeiras culpadas pela imobilidade social que vivemos, são elas as responsáveis em potencial pela calcificação das castas. Só que não sou mais criança, não me jurem a jogar esse faz de conta idiota. Pouco tenho me lixado para os coleguinhas filhos de reis, donos dos mastros de ouro e dos melhores dotes. Eles mais são porcos que ilustres. Os ilustres não existem, isto sim. E também não sou obrigada a abrir minhas pernas para coisa pequena feita de gente, uma gente que é nua de espírito e paz. Tenho meu dinheiro, compro as minhas roupas e me visto e me dispo como eu bem entender. E nem venham me dizer que não, que menino tem que obedecer aos mais velhos, porque é todo mundo fútil nesse balaio de hipocrisia. Velho feito de velho que mal passa de um andajá desgovernado no páreo pelos dois milhões de dólares no fim do arco-íris – que já esmaeceram há tempos, por sinal. É tanta gente burra comprando paraquedas para saltar nesses aviões de dinheiro... Desde que o mundo é mundo, desde que não me entendo por nada e nada sou, que o mercantilismo ensandecido é esse daí. Havia mesmo de ter ainda, ora essa, algum mirréis nos fundos daquela bicha em pleno carnaval? Façam-me rir. Façam-me todos. Façam-me tudo, mas não me tirem da cara a vergonha. Quero morrer, apodrecer, com essa que tenho, essa que enche rios e lagos, que me ensurdece instantaneamente toda vez que suas prosas comerciais entram no ar. Tenho vergonha, tenho nojo dos pobres que querem ser ricos e dos ricos que querem continuar ricos. Envergonham-me ambos, pobres e ricos, porque indistintamente querem pisar nos que têm menos e exaltar os que têm mais. E já estou cansada também de ouvir que não mudarei o mundo. Não quero mudar mundo nenhum. Fiquem com a bola quadrada de vocês, deitem todas as cédulas e façam de colchão, façam de gibeira para ela. Deem-me apenas um fósforo, daqueles de venda de ponta de esquina, dos que acendem os cigarros dos desesperados, e resolvo o meu problema. Primeiro as crianças, já que tenho eu também o direito de ter as minhas cotas. Depois das crianças sobra ninguém. Não, não sobra. Os pais são as crianças, com mãe ou sem mãe, com pai ou sem pai, quem pariu e os que treparam são as crianças. Obra do espírito santo, da pomba da paz, do Estado: criança do mesmo jeito. E quando o fogo arder, não adianta chorar. Por um acaso, vocês me ouvem quando choro? Vocês me vendem e eu não quero comprar. Dinheiro é o caralho! Mandem tudo para o quinto dos infernos, sem remetente ou destinatário. E não se preocupem à toa com o anonimato, já que não restam dúvidas, saberão que foram as crianças que mandaram e que serão outras delas que irão receber. Sei que nos seus depósitos de lama carimbam as contas correntes, não me façam de astronauta. Mas tempo não é dinheiro?! Poupem seus centavos, acreditem que os anjinhos são os arqueiros dos megabancos imobiliários, das megamaquinetas de cartões de crédito e que serão os próprios a sacar, saquear e sacanear suas carteiras. E onde iremos parar, ó céus? Não vamos, a passagem é cara, a parcela é exorbitante, o boleto é descomedido. Eu desço! Desço mesmo, podem me exumar das classes, pouco importa. Só quero chocolate. Poupem-me das ostentações e usuras. Deixem-me acreditar que dinheiro não nasce das árvores, deixem-me ser criança e me culpem por tudo quando formos iguais e sem sal, sem grana.

Um comentário:

  1. Amiga, João - aquele do rolo compressor -
    gostou desta parte "Envergonham-me ambos, pobres e ricos, porque indistintamente querem pisar nos que têm menos e exaltar os que têm mais" (viva a escada desgraçada do sistema).
    Ah, chorei com esta parte "E já estou cansada também de ouvir que não mudarei o mundo. Não quero mudar mundo nenhum" (mas eu quero mudar o mundo buá... buá... buá...)

    Aline Rodrigues

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O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. (Clarice Lispector)