As
crianças são as verdadeiras culpadas pela imobilidade social que vivemos, são
elas as responsáveis em potencial pela calcificação das castas. Só que não sou
mais criança, não me jurem a jogar esse faz de conta idiota. Pouco tenho me
lixado para os coleguinhas filhos de reis, donos dos mastros de ouro e dos
melhores dotes. Eles mais são porcos que ilustres. Os ilustres não existem,
isto sim. E também não sou obrigada a abrir minhas pernas para coisa pequena
feita de gente, uma gente que é nua de espírito e paz. Tenho meu dinheiro,
compro as minhas roupas e me visto e me dispo como eu bem entender. E nem
venham me dizer que não, que menino tem que obedecer aos mais velhos, porque é
todo mundo fútil nesse balaio de hipocrisia. Velho feito de velho que mal passa
de um andajá desgovernado no páreo pelos dois milhões de dólares no fim do
arco-íris – que já esmaeceram há tempos, por sinal. É tanta gente burra
comprando paraquedas para saltar nesses aviões de dinheiro... Desde que o mundo
é mundo, desde que não me entendo por nada e nada sou, que o mercantilismo ensandecido
é esse daí. Havia mesmo de ter ainda, ora essa, algum mirréis nos fundos
daquela bicha em pleno carnaval? Façam-me rir. Façam-me todos. Façam-me tudo,
mas não me tirem da cara a vergonha. Quero morrer, apodrecer, com essa que
tenho, essa que enche rios e lagos, que me ensurdece instantaneamente toda vez
que suas prosas comerciais entram no ar. Tenho vergonha, tenho nojo dos pobres
que querem ser ricos e dos ricos que querem continuar ricos. Envergonham-me
ambos, pobres e ricos, porque indistintamente querem pisar nos que têm menos e
exaltar os que têm mais. E já estou cansada também de ouvir que não mudarei o
mundo. Não quero mudar mundo nenhum. Fiquem com a bola quadrada de vocês,
deitem todas as cédulas e façam de colchão, façam de gibeira para ela. Deem-me
apenas um fósforo, daqueles de venda de ponta de esquina, dos que acendem
os cigarros dos desesperados, e resolvo o meu problema. Primeiro as crianças,
já que tenho eu também o direito de ter as minhas cotas. Depois das crianças
sobra ninguém. Não, não sobra. Os pais são as crianças, com mãe ou sem mãe, com
pai ou sem pai, quem pariu e os que treparam são as crianças. Obra do espírito
santo, da pomba da paz, do Estado: criança do mesmo jeito. E quando o fogo
arder, não adianta chorar. Por um acaso, vocês me ouvem quando choro? Vocês me
vendem e eu não quero comprar. Dinheiro é o caralho! Mandem tudo para o quinto
dos infernos, sem remetente ou destinatário. E não se preocupem à toa com o
anonimato, já que não restam dúvidas, saberão que foram as crianças que
mandaram e que serão outras delas que irão receber. Sei que nos seus depósitos
de lama carimbam as contas correntes, não me façam de astronauta. Mas tempo não
é dinheiro?! Poupem seus centavos, acreditem que os anjinhos são os arqueiros
dos megabancos imobiliários, das megamaquinetas de cartões de crédito e que serão os próprios a sacar, saquear e sacanear suas carteiras. E onde
iremos parar, ó céus? Não vamos, a passagem é cara, a parcela é exorbitante, o
boleto é descomedido. Eu desço! Desço mesmo, podem me exumar das classes, pouco
importa. Só quero chocolate. Poupem-me das ostentações e usuras. Deixem-me
acreditar que dinheiro não nasce das árvores, deixem-me ser criança e me culpem
por tudo quando formos iguais e sem sal, sem grana.
Amiga, João - aquele do rolo compressor -
ResponderExcluirgostou desta parte "Envergonham-me ambos, pobres e ricos, porque indistintamente querem pisar nos que têm menos e exaltar os que têm mais" (viva a escada desgraçada do sistema).
Ah, chorei com esta parte "E já estou cansada também de ouvir que não mudarei o mundo. Não quero mudar mundo nenhum" (mas eu quero mudar o mundo buá... buá... buá...)
Aline Rodrigues