quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Borboleta (Escrito por Anne Crystie)

Crédito da imagem: Anne Crystie.
"Às vezes tudo é lágrima e nada faz sentido. Fica outro mundo, outra magia, assento diferente. Bem verdade: eu não sou o que era. Ninguém é o que foi."


Impressionante como são sete primaveras depois e eu não me reconheço mais. Pareço mais velha, mais triste. Sou mais só e mais verdadeira. As pessoas passam, os lugares ficam, as saudades nascem. O tempo nos preenche de vazios, de nós apertados. E tudo parece sem cor. Tudo é fotografia antiga, rabisco, filha falando pra mãe que não vê graça. Às vezes tudo é lágrima e nada faz sentido. Fica outro mundo, outra magia, assento diferente. Bem verdade: eu não sou o que era. Ninguém é o que foi. Não há ninguém, estou abandonada. Tem uns e outros, mas não há nada. Cada vez mais longe, mais curva, mais retrógrada. Doem as costas, cansam as vistas e as pernas. Não dou mais do que duas. Não doo tanto. Apareço pouco, vez em nunca. Espaireço e volto. Eterno retorno ao baú do tesouro achado perdido. Vão-se os copos, os corpos, as mãos. Cada vez mais espaço... Eu caibo mais. Tudo me cabe, nada me compreende. Despreenchida, repreendida, sozinha. Dona de muitas flores que eu era... Gente era canto, era som, encanto. O tempo sempre atrasado, paredes de calendário. Dias mortos e uma imensidão viva que me alimentava de pesar sem fim. Vivendo de futuro, de muro, do outro lado. Os verões como sonhos contemporâneos, extemporâneos. Pressa de viver, de ser, de conhecer-me em algum motivo. Abraços que não podiam esperar. Hoje são braços e frio. E sou a mesma plataforma, repleta de um lugar que nunca chega, um trem que nunca volta, um amor que nunca morre. Não tem praça, não tem lua, não tem meio. Sentada, cansada. De passagens na bolsa. Muita bagagem, aquelas poesias, uns frascos de veneno. E eu que nunca morro... Nunca vou. Nunca voo. Eu que sempre volto, envolta. As mais belas borboletas de jardim: é assim a que tudo se resume, que tudo reúne.

Dezembro de 2012

sábado, 15 de dezembro de 2012

Gente, no plural (Escrito por Anne Crystie)


Crédito da imagem: Anne Crystie.
Eu gosto mesmo é de gente, de ter com gente, de ser com gente. Ser gente das boas, das de caras lisas, daquelas que não escolhem quais dos talheres usar porque não há talheres, há colher. Tenho fetiche na sinceridade, naquilo que é de carne e osso, em gente de verdade. Dá-me um fogo! Fogo que acende a língua, incendeia o coração e, às vezes, queima as ideias... Mas é fogo feito de gente, é fogo maré. Não gosto de alma, dessas brancas, cheias de joias. Elas guardam muitos segredos, muita pobreza. Almas são um grito de desespero, de socorro, de gente querendo vida. O almado é o soldado que deu certo, que perdeu a luta. Ruim mesmo é ser almado, sem sal, sem vida, sem gostos, com aparências. Eu gosto mesmo é de ver aquilo que se é, de ser aquilo que sou, de sentir aquilo que sinto. Abrir as cartas, mostrar o jogo e ganhar sem virar, ganhar lento, de todo dia, de verdade. Gosto de gente pequena; não gosto de gente grande, porque gente grande não é gente! É bom é o beijo na testa, o abraço apertado, as palavras ditas. Isso é ser gente, é dar no couro, é honrar as calças que veste. A casa de gente alma é zen, é caixinha de areia arrumada, é mesóclise e ênclise sem fim. Gente mesmo tem casinha, tem palmeira, tem sabiá, tem cidade pequena e mundo grande. Gente é do nós, é plural, é diverso, multicor. Alma é sem luz, sem brilho, é solo, é do eu, da identidade. E no fim é sempre igual: mais custa pouca gente apanhada pela mão que muitas almas voando!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Borboleta (Escrito por Anne Crystie)



Crédito da imagem: Anne Crystie
Impressionante como são sete primaveras depois e eu não me reconheço mais. Pareço mais velha, mais triste. Sou mais só e mais verdadeira. As pessoas passam, os lugares ficam, as saudades nascem. O tempo nos preenche de vazios, de nós apertados. E tudo parece sem cor. Tudo é fotografia antiga, rabisco, filha falando pra mãe que não vê graça. Às vezes tudo é lágrima e nada faz sentido. Fica outro mundo, outra magia, assento diferente. Bem verdade: eu não sou o que era. Ninguém é o que foi. Não há ninguém, estou abandonada. Tem uns e outros, mas não há nada. Cada vez mais longe, mais curva, mais retrógrada. Doem as costas, cansam as vistas e as pernas. Não dou mais do que duas. Não doo tanto. Apareço pouco, vez em nunca. Espaireço e volto. Eterno retorno ao baú do tesouro achado perdido. Vão-se os copos, os corpos, as mãos. Cada vez mais espaço... Eu caibo mais. Tudo me cabe, nada me compreende. Despreenchida, repreendida, sozinha. Dona de muitas flores que eu era... Gente era canto, era som, encanto. O tempo sempre atrasado, paredes de calendário. Dias mortos e uma imensidão viva que me alimentava de pesar sem fim. Vivendo de futuro, de muro, do outro lado. Os verões como sonhos contemporâneos, extemporâneos. Pressa de viver, de ser, de conhecer-me em algum motivo. Abraços que não podiam esperar. Hoje são braços e frio. E sou a mesma plataforma, repleta de um lugar que nunca chega, um trem que nunca volta, um amor que nunca morre. Não tem praça, não tem lua, não tem meio. Sentada, cansada. De passagens na bolsa. Muita bagagem, aquelas poesias, uns frascos de veneno. E eu que nunca morro... Nunca vou. Nunca voo. Eu que sempre volto, envolta. As mais belas borboletas de jardim: é assim a que tudo se resume, que tudo reúne.

Mãe, eu vou mudar o mundo!


Forever alone


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Socorro (Escrito por Alice Ruiz e Arnaldo Antunes)

Crédito da Imagem: Montt.












Socorro, não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.

Socorro, alguma alma, mesmo que penada,
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor nem dor,
Já não sinto nada.

Socorro, alguém me dê um coração,
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emocão pequena,
Qualquer coisa.

Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva.

Socorro, alguma rua que me dê sentido,
em qualquer cruzamento,
acostamento,
encruzilhada,
Socorro, eu já não sinto nada.

Socorro, não estou sentindo nada.

Vai todo mundo tomar no cu! (Escrito por Anne Crystie)



Crédito da imagem: Desconhecido.
As crianças são as verdadeiras culpadas pela imobilidade social que vivemos, são elas as responsáveis em potencial pela calcificação das castas. Só que não sou mais criança, não me jurem a jogar esse faz de conta idiota. Pouco tenho me lixado para os coleguinhas filhos de reis, donos dos mastros de ouro e dos melhores dotes. Eles mais são porcos que ilustres. Os ilustres não existem, isto sim. E também não sou obrigada a abrir minhas pernas para coisa pequena feita de gente, uma gente que é nua de espírito e paz. Tenho meu dinheiro, compro as minhas roupas e me visto e me dispo como eu bem entender. E nem venham me dizer que não, que menino tem que obedecer aos mais velhos, porque é todo mundo fútil nesse balaio de hipocrisia. Velho feito de velho que mal passa de um andajá desgovernado no páreo pelos dois milhões de dólares no fim do arco-íris – que já esmaeceram há tempos, por sinal. É tanta gente burra comprando paraquedas para saltar nesses aviões de dinheiro... Desde que o mundo é mundo, desde que não me entendo por nada e nada sou, que o mercantilismo ensandecido é esse daí. Havia mesmo de ter ainda, ora essa, algum mirréis nos fundos daquela bicha em pleno carnaval? Façam-me rir. Façam-me todos. Façam-me tudo, mas não me tirem da cara a vergonha. Quero morrer, apodrecer, com essa que tenho, essa que enche rios e lagos, que me ensurdece instantaneamente toda vez que suas prosas comerciais entram no ar. Tenho vergonha, tenho nojo dos pobres que querem ser ricos e dos ricos que querem continuar ricos. Envergonham-me ambos, pobres e ricos, porque indistintamente querem pisar nos que têm menos e exaltar os que têm mais. E já estou cansada também de ouvir que não mudarei o mundo. Não quero mudar mundo nenhum. Fiquem com a bola quadrada de vocês, deitem todas as cédulas e façam de colchão, façam de gibeira para ela. Deem-me apenas um fósforo, daqueles de venda de ponta de esquina, dos que acendem os cigarros dos desesperados, e resolvo o meu problema. Primeiro as crianças, já que tenho eu também o direito de ter as minhas cotas. Depois das crianças sobra ninguém. Não, não sobra. Os pais são as crianças, com mãe ou sem mãe, com pai ou sem pai, quem pariu e os que treparam são as crianças. Obra do espírito santo, da pomba da paz, do Estado: criança do mesmo jeito. E quando o fogo arder, não adianta chorar. Por um acaso, vocês me ouvem quando choro? Vocês me vendem e eu não quero comprar. Dinheiro é o caralho! Mandem tudo para o quinto dos infernos, sem remetente ou destinatário. E não se preocupem à toa com o anonimato, já que não restam dúvidas, saberão que foram as crianças que mandaram e que serão outras delas que irão receber. Sei que nos seus depósitos de lama carimbam as contas correntes, não me façam de astronauta. Mas tempo não é dinheiro?! Poupem seus centavos, acreditem que os anjinhos são os arqueiros dos megabancos imobiliários, das megamaquinetas de cartões de crédito e que serão os próprios a sacar, saquear e sacanear suas carteiras. E onde iremos parar, ó céus? Não vamos, a passagem é cara, a parcela é exorbitante, o boleto é descomedido. Eu desço! Desço mesmo, podem me exumar das classes, pouco importa. Só quero chocolate. Poupem-me das ostentações e usuras. Deixem-me acreditar que dinheiro não nasce das árvores, deixem-me ser criança e me culpem por tudo quando formos iguais e sem sal, sem grana.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Diga não ao sadomasoquismo social! (Escrito por Anne Crystie)


Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"Sejamos, pois, sadistas conosco e masoquistas por ninguém. E que eu morra sonhado, para que, caso o mundo acabe, as pessoas nasçam de novo e corajosas."

            É meio sem início e cheio de princípios o que escrevo hoje. Está nas ruas, nas caras pintadas e nos caras lavadas. É duma paixão que vem de dentro e que me açoita feito vagabunda todas as vezes que, depois de meus delírios solitários, vejo os rebanhos seguindo o toque do berrante, as massas esticando alegremente seus lombos para que lhes tirem uma lasca de couro. É sobre um sadismo e masoquismo sociais, dos quais tenho orgulhosamente nojo, que quero lhe falar.

            Da dinâmica de todos os grupos, existe sempre um líder, nato ou escolhido. Ele é aquele que carrega a tocha, que finca a bandeira, que organiza cartograficamente as funções. No entanto, aos que desconhecem essa possibilidade ou desacreditam dela e também aos que tem por ela esperança e que, por isso, gostam de revisitá-la, preciso dizer que há líderes e líderes. Pois é que são plurais as formas de distribuir o poder. Coexistem modos bem distintos de discursar e mais marcados ainda são os modelos que dão ou não importância a simples atitude de ouvir. Então, que tipo de líder e/ou liderado tem cabido em cada um de nós? Já parou para pensar acerca disto?

            Há discursos porretas (quilômetros deles!) em se tratando dessas coisas de democracia, cooperação, liberalismo, “voz do povo, voz de Deus” ou centralização. Mas não quero isto. Deixo as tolas descrições dos modus operandi aos que gostam dum bom grego. Até porque, nesse mundo onde Lula é Deus e FHC é o diabo, não vejo utilidade de esquerda ou direita, a não ser quando preciso quebrar a esquina. Quero pensar no poder que não cabe nos livros de sociologia, mas que está nas mãos de um povo e nas costas de outro ou no sábado nas mãos e no domingo no lombo de um mesmo povo. Falo daquele poder que vai estar resposta quando eu lhe perguntar: o que você sente?

            Costumeiramente, e destituído de quaisquer sentidos racionais, são muitos os que apreendem o poder por uma lógica maniqueísta, classificando-o, claro, sempre como o lado obscuro da história. Das duas, uma: ou os que propagam que ter poder é ser mau são inocentes e não o tem, ou o tem em demasia e, para evitar dividi-lo, manipulam todos os primeiros que passam pela frente, alienando-os de que empoderar-se é coisa de Judas. E eu, por assim dizer, cá fico admirada dessa lógica... Por que uns (incluindo-me, em alguma medida), mesmo após ciência das correntes que os prendem e de posse de oportunidade de mudança, preferem ser chicoteados a diluir os feitores?

            Há uma luta para que esse diamante, que é da ordem natural das coisas e orienta os homens e suas ações compartilhadas, seja experimentado por todos, que de baixos e altos passam a horizontalizados nessa ocasião. Todavia, das utopias dos que militam pelo direito de voz indiscriminado, nem sempre o povo fala. Por vezes, no auge do furacão, as cabeças se abaixam, as camisas se remexem e, de onde se esperava gritos, lá vai outra tira de couro legítimo. Couro de liderado, dominado, servo. Qual o motivo para tanta covardia, ora essa?! Será que, frutos de colonização que somos, estamos fadados a morrer pelas pontas, sem vez e sem ruído?

            Muitos são os intelectuais que alegam indistinção entre a escravidão e essa coisa de gestão participativa. Eles dizem na TV a cabo e nos documentários internacionais que, no fundo, o pódio será eternamente dos poucos, dos que se deixam ser crucificados sensacionalmente e beijam seus súditos no banquete. E eu, audaciosamente, me recuso a acreditar! Na verdade, me recuso a ceder, a não acreditar nas pessoas, na singularidade do poder que está na participação popular. E esse sadomasoquismo social é o eterno desafio. Até quando brigar por púlpitos universais vai ter graça frente a essa juventude de qualquer idade que sente prazer com um sofativismo falso moralista?

            É preciso que espalhemos espelhos nas praças e que manchemos de vez essa honra ensandecida. Digo dar a cara a tapas, amigo. A estrelinha do PT não significa nada. Os discursos de papagaios e tucanos menos ainda. Sonho com um tempo onde somos ousados e repartimos com unhas e dentes o poder quando o encontramos. Não corremos da raia, não deixamos espaços vazios porque sentimos prazer ao apanhar. Ao invés disso, batemos em nós mesmos. Sejamos, pois, sadistas conosco e masoquistas por ninguém. E que eu morra sonhando, para que, caso o mundo acabe, as pessoas nasçam de novo e corajosas.

Outubro de 2012