domingo, 6 de junho de 2010

- Porra?!

Diário de um escritor
Escrito por Fiódor Dostoiévsky.
Adaptado por Mikhail Bakhtin.

(...) Certa vez, num domingo, já perto da noite, eu tive ocasião de caminhar ao lado de um grupo de seis operários embriagados, e subitamente me dei conta de que é possível exprimir qualquer pensamento, qualquer sensação, e mesmo raciocínios profundos, através de um só e único substantivo, por mais simples que seja (Dostoiévsky está pensando aqui numa palavrinha censurada de largo uso). Eis o que aconteceu. Primeiro, um desses homens pronuncia com clareza e energia esses substantivo para exprimir, a respeito de alguma coisa que tinha sido dita antes, a sua contestação mais desdenhosa. Um outro lhe responde repetindo o mesmo substantivo, mas com um tom e uma significação completamente diferentes, para contrariar a negação do primeiro. O terceiro começa bruscamente a irritar-se com o primeiro, intervém brutalmente e com paixão na conversa e lança-lhe o mesmo substantivo, que toma agora o sentido de uma injúria. Neste momento, o segundo intervém novamente para injuriar o terceiro que o ofendera. "O que há, cara? Quem tá pensando que é? A gente tá conversando tranqüilo e aí vem você e começa a bronquear!" Só que esse pensamento, ele o exprime pela mesma palavrinha mágica de antes, que designa de maneira tão simples um certo objeto; ao mesmo tempo, ele levanta o braço e bate no ombro do companheiro. Mas eis que o quarto, o mais jovem do grupo, que se calara até então e que aparentemente acabara de encontrar a solução do problema que estava na origem da disputa, exclama com um tom entusiasmado, levantando a mão: "...eureka! Achei, achei!" É isso que vocês pensam? Não, nada de "eureka", nada de "achei!". Ele simplesmente repete o mesmo substantivo banido do dicionário, uma única palavra, mas com um tom de exclamação arrebatada, com êxtase, aparentemente excessivo, pois o sexto homem, o mais carrancudo e mais velho dos seis, olha-o de lado e arrasa num instante o entusiasmo do jovem, repetindo com uma imponente voz de baixo e num tom rabugento... sempre a mesma palavra, interdita na presença de damas para significar claramente: "Não vale a pena arrebentar a garganta, já compreendemos!" Assim, sem pronunciar uma única outra palavra, eles repetiram seis vezes seguidas sua palavra preferida, um depois do outro, e se fizeram compreender perfeitamente.

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