domingo, 27 de maio de 2012

A mercantilização do conhecimento (Anne Crystie)

Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"Aos poucos, temos nos tornado insensíveis a uma tendência não essencial a todas as coisas de subordinar tudo ao comércio."


            Bem antes que o sábio Sócrates, na antiga Atenas de quase 400 anos antes de Cristo, proferisse o bordão “só sei que nada sei”, creio eu que saber ou não saber alguma coisa já era motivo de discussão. Questionar se é realmente o conhecimento irresistível parece perpassar todas as épocas e credos, desde algumas onde este era o motivo da hierarquia dos tementes em Deus até outras onde há dúvidas se quem é mais é quem tem mais ou quem sabe mais.

            Entretanto, o que tem pra hoje parece mais simples que desenovelar se é melhor saber ou não saber. Digo, o que me traz a essas palavras é a realidade atual do sistema superior de ensino: os anseios e objetivos que levam os jovens, os adultos e/ou os idosos a adentrarem ao mundo da Universidade – ou mesmo a se deixarem ser empurrados a ele. O que querem os pais com “meu filho já vai pra faculdade” e os meninos de cabeças peladas com “passei no vestibular”?

            Ao longo da história, desvendar no ambiente da escola os “mistérios da vida” (se assim me permitem resumir todas as nossas incertezas e verdades absolutas) foi acompanhado de inúmeras e mutáveis conotações. Num dos princípios gregos, por exemplo, Platão e Aristóteles sentavam seus discípulos em suas academias a fim de amar o conhecimento, ou seja, filosofar. Já um pouco mais próximo de agora, no início do século XIX, com a vinda da família real ao Brasil, nasce o interesse de criar escolas médicas nas praças tupiniquins. Diferente dos filósofos, esses portugueses-índios, ao que parece, mais queriam honra, sabiás e vida longa a qualquer demonstração pública de afeto...

Tarjar as testas com o símbolo “calouro” por muitas horas e anos e mãos significou (e significa), sem dúvidas, realizar um sonho. Todavia, o crescimento desenfreado das privatizações do ensino superior junto ao alargamento territorial dos campi públicos, bem como a moda bancária de que feliz é quem é rico e rico é quem tem diploma, têm modificado um tanto essa equação. Entrar pra faculdade nem sempre quer dizer querer ser cientista ou artista, nem mesmo produzir conhecimentos e aprimorar técnicas, mas outra coisa...

É cada vez mais numeroso o time daqueles que estão lá, perdendo quatro, cinco ou seis anos, para, enfim, “ganhar dinheiro”. Imprimir diplomas no Brasil (digo aqui porque não tenho reflexão para tratar também das circunvizinhanças), cada vez mais, tem sido determinante de uma suposta/ilusória riqueza e não de uma dada/real sabedoria. Os pais não acreditam que os filhos podem ser bem-sucedidos fazendo bolos ou consertando sapatos, como antigamente; os filhos não se convencem de que ter uma casa com piscina é mais fácil a partir daquilo que se faz melhor e, às vezes; até os governos não sabem se o que vale mais é saber ou ter.

Aos poucos, temos nos tornado insensíveis a uma tendência não essencial a todas as coisas de subordinar tudo ao comércio. Em rápidos traços: estamos vivendo a mercantilização [até] do conhecimento! As crianças não são inqueridas mais sobre o que querem ser quando crescer. Ao invés disso, nas ruas gritam os adultos imaturos o que querem ter quando forem adultos e ainda imaturos. São as engenharias cada vez mais cheias pela copa e pelas olimpíadas e a medicina sem cadeiras, sem escutas, sem humanização, sem boas perspectivas...

Daqui da minha sala de aula, é sim o conhecimento irresistível. As janelas refletem todo o tempo aquilo que sonho e os livros me levam a lugares que salário nenhum jamais comprará. É que penso como Da Vinci: para mim, “todo o nosso conhecimento se inicia com sentimentos”. E se é assim que ele começa, não vejo motivos para que termine ou prossiga de outro modo. É preciso amar aprender, gostar do que faz, apaixonar-se de novo e outra vez pelo desconhecido a ser conhecido. Há coisas que não estão à venda e, por isso, ninguém jamais terá felicidade se antes não for feliz.
Abril de 2012

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