segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sobre a morte: o morrer (Anne Crystie)

Crédito da Imagem: Anne Crystie.
"Estamos para o fim! E, ainda assim, após infinitas idas e despedidas, não há receitas de como sustentar as lágrimas sem derramá-las..."


Há um tempo venho tentada a escrever sobre a morte e outras tristezas mais. Não sei se movida pela angústia do desconhecido ou pelo desprazer da perda. No entanto, algo me faz transitar insistentemente neste território. E digo-lhe: não há passo mais difícil a ser dado do que aquele que caminha para abraçar o fechamento. Todo o sofrimento e a sua falta de sentido: morrer, até quando?

Desde que a humanidade se fez humanidade, seja para os evolucionistas ou criacionistas, os seres vivos se confrontam diariamente com a morte. É um pouco do corpo que se perde ao amanhecer e um tanto de tempo que se despede na “hora do Ângelo”. Estamos para o fim! E, ainda assim, após infinitas idas e despedidas, não há receitas de como sustentar as lágrimas sem derramá-las.

Palavras de conforto, abraços mudos, olhares foscos, preces exaltadas, orações desmedidas... Toda e qualquer tentativa para justificar, ou aceitar, o silêncio da falta que se mantém impreenchível. É um braço que se foi, uma boca a menos, dois dedos de compaixão ou um coração fraterno. Pai, filho, vizinho, a moça do noticiário na TV... Conforme a distância é o luto: se pequena, insuportável; se grande, ao menos reflexivo. E a força, que as nossas raízes guardam de ontem, é imprevisível!

“É assim mesmo”, dizem. “As coisas são como Deus quer e acontecem quando chega a hora”. “Tudo que nasce, morre”. (...) Entretanto os jardins continuarão cheios de saudade! Os hinos líricos soarão e, logo mais, quando voltarmos para casa, daremos conta de que seremos eternos ignorantes diante da partida. Uns sentirão mais, outros pouco, e todos emplacarão, como numa lápide, a incerteza dessas coisas sobre a morte.

Espera-se que as formigas morram, quando tomam conta da goiabada na cozinha; que as baratas sejam exterminadas, caso roam os armários; até os peixes somos capazes de matar nessa nossa poluição... Mas o homem, que é homem, não há “serial killer” hábil a amparar a sua ausência com alegria. Ficam seus livros na estante, seu lugar vazio à mesa, suas roupas no varal... “Mais uma vida jogada fora. Um coração que já não bate mais, descansa em paz. Sonhos que vão embora, antes da hora. Sonhos que ficam pra trás.” (Gabriel, o Pensador e Lulu Santos)

Todas as frases feitas de incentivo não são à-toa. A ampulheta é só uma! E cada grão de areia que cai deveria significar uma meta alcançada. Se estaríamos mais abertos ao vivenciar das possibilidades caso aceitássemos friamente a morte, ainda me ponho a refletir sobre. No entanto, há tempos estou convencida de que levar como lembrança a beleza da vida é a maneira mais confortável de se deixar ir.

(...) “Quando chegou o dia em que ele tinha de partir daqui, muitos o acompanharam até a margem, e ao entrar no rio ele disse: ‘Morte, onde está teu aguilhão?’ E, ao afundar-se ainda mais, disse: ‘Sepulcro, onde está tua vitória?’ E assim fez a travessia, e todas as trombetas soaram para ele do outro lado.” (John Bunyan)
Fevereiro de 2011

Um comentário:

  1. E cada texto que eu leio, fico mais fã de tuas palavras :) de você também, lógico!

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O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. (Clarice Lispector)